Construindo uma educação antirracista a partir de referências raciais positivas

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Essa é uma maneira de proteger crianças e adolescentes do racismo, de fortalecer culturas e de preservar as histórias de povos diversos.

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É comum que o preconceito racial e as discussões sobre as culturas africana e afro-brasileira sejam lembrados nas escolas apenas em datas comemorativas, como no Dia do Combate à Discriminação Racial (3 de julho) ou no Dia da Consciência Negra (20 de novembro). Porém, especialistas e educadores reforçam que a educação antirracista deveria estar nas salas de aula todos os dias.

Nesse caso, manter teoria e prática alinhadas é a base para promover um ensino coerente e com potencial formativo a partir de referenciais positivos e importantes sobre raça, sobre negritude, sobre africanidades e mais.

O que é educação antirracista na escola?

Em 2003, foi sancionada a Lei n. 10.639 no Brasil, que tornou obrigatório ensinar as histórias da África e dos africanos, a cultura e o papel do negro na formação da nossa sociedade e a luta dos negros no Brasil. Apesar de o foco ser o Ensino Fundamental e o Ensino Médio, trabalhar o antirracismo é uma missão permanente, com a qual os professores se envolvem desde a Educação Infantil.

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O empenho para promover essa abordagem passa, entre outros aspectos, por:

  • promoção de um espaço físico inclusivo, fomentando a representatividade em murais, em livros, em pinturas nas salas, etc.;
  • uso de metodologias ativas que favoreçam a identidade e o protagonismo do estudante;
  • formação docente contínua e diversa;
  • desenvolvimento de um currículo pertinente, que não limite a educação antirracista aos projetos extracurriculares ou às atividades comemorativas.

Mesmo após 20 anos de implementação da Lei n. 10.639, o cumprimento dela ainda não é universal. Um relatório da organização não governamental Todos Pela Educação mostrou que apenas metade (50,1%) das escolas realizavam projetos pedagógicos antirracistas em 2021 – sendo o menor número da última década. Essa é a pesquisa mais recente feita pelo Sistema Nacional de Avaliação Básica (Saeb).

Segundo Daniela Mendes (2023), analista de políticas educacionais do Todos Pela Educação, “[…] melhorar a qualidade da educação brasileira significa, também, promover um ensino intencionalmente antirracista e voltado para as relações étnico-raciais, além de olhar com atenção para ações de combate ao machismo e à homofobia […]”.

Ela explica que o avanço da pauta ultraconservadora dentro e fora das escolas, os impactos da pandemia e os problemas de coordenação no Ministério da Educação do governo da época podem ter relação com esse resultado.

Qual é a importância de trabalhar o antirracismo desde a Educação Infantil?

Em entrevista à Agência Brasil, a pedagoga Clélia Rosa, que pesquisa relações étnico-raciais na educação, destaca como o descompromisso institucional com a Lei n. 10.639 prejudica a formação dos estudantes.

“Quando a escola diz, nos seus currículos, que forma cidadãos críticos, cidadãos reflexivos, que possam atuar frente às situações, […] como é que você forma um cidadão crítico que não compreende a pauta racial num país majoritariamente negro? […]”, questiona Clélia (2023).

Precisamos lembrar que a escola é um espaço de aprendizado, de socialização e de experiências. Portanto, para trabalhar o antirracismo desde a Educação Infantil, é essencial investir nessa formação crítica de modo que acompanhe os momentos das descobertas.

Ao desnaturalizar o racismo e apresentar a contribuição dos diversos povos que existem no Brasil, promovemos o pertencimento de crianças negras na comunidade escolar – algo que vai impactar sua visão de mundo e sobre si mesmas.

Clélia (2023) explica que focar exclusivamente em saberes europeus – o que tem sido o padrão nas escolas brasileiras e foi o que formou nossos pais e avós – coloca negros e indígenas à margem. Porém, mostrar a essas crianças quem realmente está no centro da construção do Brasil “[…] através de nossos saberes e tecnologias ancestrais, é um mecanismo potente para a construção da autoestima […]”.

Segundo ela, isso faz com que haja um deslocamento para o lugar de protagonismo, de quem é, também, produtor e detentor do conhecimento.

Como trabalhar o antirracismo na escola?

Realizar a descolonização do currículo é um dos desafios das escolas que desejam combater ativamente o preconceito racial.

Assim, torna-se necessário incluir na rotina dos estudantes atividades que evidenciam o pensamento antirracista, além de promover narrativas de valorização da cultura negra em todas as áreas de estudo.

Veja medidas que ajudam a colocar a educação antirracista em prática:

1. Reconhecer o racismo no ambiente escolar

O primeiro passo para alinhar discurso e prática é entender que a escola é um espaço como qualquer outro na sociedade, portanto, o racismo também está presente ali.

A pedagoga Nilma Lino Gomes (2007), autora do livro O movimento negro educador: saberes construídos nas lutas por emancipação, afirma que “falar sobre diversidade e diferença implica posicionar-se contra processos de colonização e dominação”. Implica compreender e lidar com relações de poder.

Por isso, convidar os professores a olharem para a comunidade escolar, a identificarem lacunas que precisam ser preenchidas e a estimularem o diálogo entre esses atores, fazendo com que pensem sobre o seu lugar de fala, permite reavaliar relações de poder – o que é essencial para desenvolver uma educação antirracista.

2. Fazer uma revisão do currículo

Como é o currículo da sua escola? Existe um planejamento que já inclua possibilidades de trabalhar a questão racial? É importante se fazer essa pergunta e, por que não, reavaliar planejamentos que se repetem ao longo dos anos.

Não veja a sugestão como uma necessidade de separar momentos específicos para falar sobre o tema. Pelo contrário, opte por integrá-lo aos componentes! Busque novos referenciais para construir as propostas de atividades e desapegue da visão eurocêntrica de mundo.

Clélia Rosa disse em entrevista à Agência Brasil que esse “[…] É um exercício de coragem e de mudança de rota”.

3. Incentivar a formação continuada

A formação continuada é uma maneira de continuar aprendendo conforme a educação se transforma. Para se qualificar e para tornar possível uma educação antirracista, o professor necessita de um ambiente no qual possa compartilhar suas dúvidas, suas dificuldades e suas experiências.

Ou seja, junto às transformações no currículo, é indispensável envolver nessa mudança quem é responsável por ele – docentes, gestão, secretaria, etc. Esse é o momento de estudar, além de receber e de dar dicas!

4. Priorizar equipes qualificadas e diversas

A medida anterior influencia diretamente na qualificação dos professores. No entanto, é preciso ir além disso, ultrapassar a sala de aula e buscar uma equipe diversa. É imprescindível ter profissionais negros atuando em todos os setores da escola.

Quando os alunos veem essas pessoas em posições superiores na hierarquia, podem associar o fato às ideias de representatividade e de empoderamento.

5. Tornar a escola um lugar de acolhimento

Por fim, outra medida que está diretamente relacionada à prática de uma educação antirracista é o trabalho de acolhimento dos alunos. Enquanto no passado crianças e adolescentes negros eram excluídos desse ambiente, hoje o acesso existe.

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Ainda assim, aqui estamos falando de pertencimento. É urgente que a escola adote uma postura de valorização e de respeito à diversidade, com grupos de apoio e com ações que envolvam toda a comunidade escolar.

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