A alfabetização inclusiva é um desafio para os educadores, mas existem caminhos possíveis

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Práticas de inclusão levam em conta as singularidades dos alunos, atendendo às suas diferentes necessidades e valorizando um desenvolvimento mais humano e mais cidadão

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Os debates no Brasil sobre a educação especial e sobre a educação inclusiva têm sido intensos nos últimos anos. Ambas estão presentes em um mesmo contexto – que é a garantia de que todas as pessoas tenham acesso à educação de maneira igualitária –, mas têm algumas diferenças entre si.

Segundo o art. 58 da Lei n. 12.796/2013, a educação especial é uma “[…] modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação”.

Nessa perspectiva, há um movimento mundial para que ela seja inclusiva, o que podemos definir como sendo uma ação política, social e pedagógica pelo direito de todos os alunos dividirem a mesma sala de aula, sem nenhum tipo de discriminação. Por outro lado, essa é uma realidade que divide a opinião dos educadores: afinal, a inclusão acontece mesmo que o estudante com deficiência não consiga participar de todas as atividades, como faz o resto da turma? Um exemplo disso são as dinâmicas em dupla ou em grupo.

Em 2019, uma pesquisa do Datafolha em parceria com o Instituto Alana revelou a percepção dos brasileiros em relação à inclusão nas escolas: 76% concordam que crianças com deficiência aprendem mais estudando junto com aquelas sem deficiência. Além disso, 86% acreditam que as escolas se tornam melhores com a educação inclusiva.

Neste artigo, vamos discutir a importância de conceber essa integração desde a alfabetização para crianças – etapa fundamental da aprendizagem e do desenvolvimento de habilidades que vão se refletir ao longo da vida escolar do aluno – até o Ensino Médio.

Qual é a diferença entre educação especial e educação inclusiva?

A principal diferença entre os dois métodos está na abordagem: enquanto a primeira é voltada apenas aos alunos com alguma deficiência, a segunda entende que o ambiente escolar é um reflexo da sociedade, portanto tem indivíduos diversos, e que todos devem aprender juntos.

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Atualmente, de acordo com o Censo Escolar 2022, há mais de 174 mil alunos de educação inclusiva matriculados em classes comuns do Ensino Infantil, sendo que a maioria deles tem alguma deficiência (seja intelectual ou física) ou transtorno do espectro autista. No Ensino Fundamental, esse número é de 915 mil, e no Ensino Médio é de 203 mil. Isso demonstra o porquê se faz necessário entender o funcionamento de uma educação que seja especial e inclusiva desde os primeiros anos.

Os desafios de integrar as educações especial e inclusiva

No Plano Nacional de Educação (PNE) vigente (2014-2023), a meta número 4, que dispõe sobre o ensino inclusivo, diz o seguinte:

Universalizar, para a população de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação, o acesso à educação básica e ao atendimento educacional especializado, preferencialmente na rede regular de ensino, com a garantia de sistema educacional inclusivo, de salas de recursos multifuncionais, classes, escolas ou serviços especializados, públicos ou conveniados (Ministério da Educação, 2014).

Há instituições que trabalham exclusivamente com a educação especial, no entanto, conforme mostra a meta 4 do PNE, os esforços desse contexto têm se voltado para junção das duas abordagens. Ou seja, o foco tem sido pensar nas educações especial e inclusiva para além do currículo pedagógico e da construção de novas habilidades.

Conforme defende a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, o objetivo é viabilizar uma rotina de aulas que estimule a autonomia, que favoreça a empatia e que potencialize o desenvolvimento social dos estudantes por meio de ações afirmativas.

Nesse caso, é indispensável que a instituição tenha professores capacitados e recursos de acessibilidade e de monitoramento da evolução dos incluídos. Esses instrumentos têm o propósito de eliminar barreiras que impeçam o aluno de aprender, podendo ser:

• Físicos (rampas e corrimões para quem tem mobilidade reduzida);

• Sociais (rodas de conversa para debater preconceitos);

• Pedagógicos (treinamentos para os docentes, tradutores de libras, sites com acessibilidade, materiais impressos em braile e softwares de leitura para pessoas com deficiência visual).

No caso dos professores, uma alternativa interessante é a formação continuada a partir de uma parceria entre escolas e universidades, por exemplo. Outra opção seria os profissionais da saúde levarem seu conhecimento a respeito dos transtornos e das deficiências aos colegas da educação para, juntos, discutirem experiências e possibilidades no campo pedagógico.

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Princípios das educações especial e inclusiva

Segundo a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, a inclusão deve começar na Educação Infantil e continuar em toda a educação básica e na superior.

Além de viabilizar a interação dos estudantes incluídos nas salas de aula regulares, é necessário ofertar atendimento no turno inverso ao da classe comum, seja na própria escola ou em um centro especializado. O objetivo disso é ampliar as ações das educações especial e inclusiva de forma que fomente a escolarização, a participação social e a inserção no mercado de trabalho.

É importante destacar que uma educação baseada na inclusão também prevê os contextos indígena, rural e quilombola, sendo necessário assegurar que os recursos, que os serviços e que o atendimento educacional especializado estejam inclusos nos projetos pedagógicos, que devem ser construídos tendo em mente as diferenças socioculturais desses grupos.

O que é alfabetização inclusiva?

A alfabetização inclusiva se baseia na garantia de que pessoas com deficiência avancem na rotina de aprendizagem, seguindo a premissa de que todos podem ser alfabetizados e aprender, ainda que o tempo e a forma como isso acontece sejam diferentes para cada um. Entre os desafios dessa dinâmica, está a tentativa de promover autonomia às crianças com intervenções pedagógicas que favoreçam o seu desenvolvimento.

Portanto, em um ambiente de inclusão, não basta que esses estudantes estejam dividindo a sala de aula regular com os colegas, eles também devem receber um ensino de qualidade.

Como alfabetizar alunos nas educações especial e inclusiva?

Magda Soares (1932-2023), doutora e livre-docente em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), defendeu que o melhor método de alfabetização é o que faz as crianças aprenderem sobre a língua escrita enquanto participam de práticas sociais relacionadas à leitura e à produção de textos. Ou seja, por mais que a escolha da metodologia seja importante, quem está no centro do aprendizado é o aluno – que é único e que tem necessidades específicas.

Para que isso aconteça de forma eficiente, o caminho é investigar qual é o perfil do aluno de inclusão, quais competências ele precisa desenvolver, quais materiais didáticos são mais apropriados e quais adaptações de aprendizagem podem ser necessárias. Então, se houver casos de alunos com alguma deficiência, é indispensável buscar propostas pedagógicas que atendam às necessidades deles.

Na fase de alfabetização, jogos e brincadeiras que ajudem o aluno a refletir sobre o sistema de escrita são excelentes recursos didáticos. Conhecendo as limitações de cada criança e a partir de um planejamento individualizado, os educadores podem encontrar as melhores estratégias.

Exemplos de atividades para alfabetização inclusiva

Planejar atividades nas quais o incluído é protagonista não é o mesmo que adaptar os exercícios que o restante da turma faz, sabia? Uma ideia é propor tarefas que partam do interesse, da habilidade ou do talento desse aluno, pois é necessário conhecer as suas particularidades. Se ele gosta de um personagem específico, aplique exercícios envolvendo esse personagem. Se ele gosta de cantar, oriente que a apresentação da história de um livro seja feita dessa forma.

Iniciativas como essas também são importantes para os alunos regulares, que acabam vivenciando a inclusão na prática e estabelecendo conexões mais profundas com os colegas. Além disso, vale a pena investir em materiais lúdicos que aumentem o interesse da turma.

O Instituto Rodrigo Mendes – uma organização sem fins lucrativos com a missão de colaborar para que toda pessoa com deficiência tenha uma educação de qualidade na escola comum – realiza formações para levar essas ideias às escolas.

Em 2019, por exemplo, na escola Cidade de Santos, que fica no município de mesmo nome do litoral paulista, a ONG apresentou o projeto Caminho Sustentável, uma experiência aplicável aos estudantes do primeiro ano do Ensino Fundamental. Usando material acessível, que reunia elementos visuais, táteis e sonoros, os estudantes com deficiência puderam participar da mesma maneira que os alunos regulares.

A atividade estimulava o manuseio de caminhões que foram confeccionados pelo grupo, o trabalho colaborativo para interpretar questões, o diálogo, a resolução dos problemas e a escrita das respostas.

Relma Carneiro, no artigo Educação inclusiva na Educação Infantil, diz que:

[…] a concepção de educação inclusiva tem se fortalecido no sentido de que a escola tem que se abrir para a diversidade, acolhê-la, respeitá-la e, acima de tudo, valorizá-la como elemento fundamental na constituição de uma sociedade democrática e justa (Carneiro, 2012).

Nesse sentido, assim como fez a escola Cidade de Santos, as instituições devem buscar caminhos para se reorganizar e para atender a todos os alunos, inclusive os com deficiência. Isso garante o cumprimento de seu papel social.

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